domingo, outubro 16, 2016

O mártir de Cristo Rei. São José Luis Sánchez del Río



O beato José Luis Sánchez del Río é o padroeiro dos adolescentes mexicanos, tinha só 14 anos quando deu a vida por sua fé, suas últimas palavras foram: “Viva Cristo Rey e la Virgen de Guadalupe!”

As pessoas que conheciam Jesus, que O viam passando pelas ruas de Nazaré, de Cafarnaum, de Jerusalém, diziam: Será que Ele é o Cristo de Deus? Nós sabemos a resposta: sim! Ele é! Pois Ele morreu por nós na Cruz, nos salvou, venceu a morte e ressuscitou. Ele vive e reina para sempre, seu reino não terá fim.




Em 1925 o então Papa, Pio XI, escreveu uma linda Encíclica sobre o reinado de Jesus, chamada “Quas Primas” e instituiu a festa de Cristo Rei do Universo. Ele fez isso porque a pouco tempo havia acontecido a Primeira Guerra Mundial e, em todo o mundo, o socialismo, o nazismo, e outros “ismos” se espalhavam. Com essas ideologias, também se espalhavam o ódio aos judeus e a luta entre as classes sociais. O Papa queria abrir os olhos dos cristãos para que escolhessem a Jesus e não aos ditadores que “pipocavam”, escolhessem o Evangelho e não a essas ideologias.


Papa Pio XI

Longe de Roma, em outro continente, as palavras do Papa caíram no coração fertilizado pelo martírio de um povo muito valente: os mexicanos. “Viva Cristo Rei!” passou a ser sua saudação e grito de guerra.

Tudo começou quando os comunistas assumiram o governo. O governo comunista decidiu acabar com a fé católica no país, pois achavam que ocristianismo era uma invenção dos homens e que se o povo respeitasse eobedecesse os padres, isso diminuiria o poder do governo. O pior presidente foi Plutarco Elías Calles, ele criou leis para fechar todas as igrejas, prender e matar os padres, freiras e até quem trouxesse no peito uma cruz, era a “lei Calles”.

Os católicos perderam seus direitos de ir ao cinema, usar transporte público, os professores perderam os empregos. O Papa Pio XI tentou negociar com o governo, mas de pouco adiantou.



Ser Padre era considerado crime e a pena era a morte.

Um garoto chamado José Sanchez del Rio, que era coroinha, viu os soldados comunistas entrarem a cavalo na sua igreja e enforcarem o velho sacerdote. José, valente que só ele, procurou o movimento dos rebeldes católicos… Pense: rebeldes por serem católicos?! Eles estavam formando um exército para salvarem os padres, defenderem seu direito de participarem da Santa Missa e ter uma religião, eram os “Cristeros”.

Em Guadalajara, no dia 3 de Agosto de 1926, cerca de 400 católicos armados encerraram-se na igreja de Nossa Senhora de Guadalupe. Eles gritavam: “Viva Cristo Rey e la Virgen de Guadalupe!”Iniciou-se assim o movimento revolucionário por iniciativa do povo, em defesa de sua fé, que ficou conhecido como “Cristiada”. José era um deles. Disse: “Quem é você se não se levanta e se põe de pé, para defender o que qcredita?!” 

Cristeros

Por ser o menor, José ia a frente dos revolucionários com um estandarte com a imagem da Virgem de Guadalupe. Muitos cristãos morreram em combate. José escreveu à sua mãe: “Nunca foi tão fácil ganhar o Céu.”

Numa dessas lutas, o general dos cristeros perdeu o cavalo e ia ser capturado. José lhe disse: “Meu general, aqui está meu cavalo, salve-se o senhor, mesmo que me matem! Eu não faço falta, o senhor 

  sim”. Foi dessa forma corajosa que José foi capturado.

Da prisão escreveu à mãe: “Minha querida mãe, fui feito prisioneiro em combate neste dia. Creio que nos momentos atuais vou morrer, mas não importa, nada importa, mãe. Resigna-te à vontade de Deus; eu morro muito feliz porque no fim de tudo isto, morro ao lado de Nosso Senhor. Não te aflijas pela minha morte, que é o que me mortifica. Antes, diz aos meus outros irmãos que sigam o exemplo do mais pequeno, e tu faça a vontade do nosso Deus. Tem coragem e manda-me a tua bênção juntamente com a de meu pai. Saúda a todos pela última vez e receba pela última vez o coração do teu filho que tanto te quer e tanto desejava ver-te antes de morrer”.

Chegaram a chicotear os pés de José e o obrigaram a caminhar por uma estrada de pedras para que renunciasse sua fé, mas o menino permaneceu firme. Enfim foi condenado a morte, suas últimas palavras antes de ser fuzilado foram: “Nos vemos no Céu. Viva Cristo Rei! Viva sua mãe, a Virgem de Guadalupe!”. José tinha só 13 anos quando morreu em 10 de fevereiro de 1928 .
Quando o Papa Pio XI soube de José e o que os cristãos estavam sofrendo no México, escreveu: “Queridos irmãos, entre aqueles adolescentes e jovens existem alguns – e eu não consigo segurar as lágrimas ao recordá-los – que, levando nas mãos o rosário e aclamando Cristo Rei, sofrem espontaneamente a morte.”



José Sanchez del Rio foi beatificado em 2005 e o Papa Emérito, Bento XVI, esteve rezando junto as suas relíquias. Ele é literalmente um “santo de calças jeans”, pois seu corpo, no relicário, está vestido com uma blusa escolar branca e uma calça jeans.



Na história, muitos que não eram lá chegados nos ensinamentos do Evangelho – perdoar, amar, respeitar a vida de todos – fizeram guerra ao reino de Jesus, começando pelos imperadores de Roma. E não é verdade que nós cristãos continuamos sendo perseguidos por defendermos o dom vida e todos os demais valores cristãos?! Ainda hoje em vários países, por esse mundo a fora, igrejas são destruídas e cristãos são mortos por proclamarem Jesus como Rei e Senhor de suas vidas. É como Jesus disse: “Meu Reino não é desse mundo” (Jo 18,36). Isso é muuuuuito importante. É preciso entender como é o Reino de Jesus… É um reino de amor, perdão, verdade. Onde há amor e bondade, alí acontece o reino de Jesus. O Reino de Jesus, começa no coração de cada um e continua no Céu, a escolha é pessoal: a quem eu quero servir?

“Cristo é o centro da história da humanidade e de cada homem. A Ele podemos referir as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias de que está tecida a nossa vida. Quando Jesus está no centro, até os momentos mais sombrios da nossa existência se iluminam.”

sexta-feira, outubro 14, 2016

TEOLOGIA DO MILAGRE


Desde os princípios da humanidade, os fenômenos extraordinários, assombrosos ou maravilhosos causaram não apenas estupefação, mas também reflexão e pensamento religioso, seja na autenticidade, seja no imaginário. Mesmo nos dias atuais, eivado de racionalismo, é fácil perceber a influência de tais fenômenos. Curas, possessões, exorcismos, fantasmas, mau-olhado, encosto, casas mal-assombradas, trabalhos-magias, fenômenos carismáticos e tantos outros assuntos similares pertencem aos âmbitos religioso, ficcional, de superstição, de cinema, de processos psiquiátricos ou de sensacionalismo. Somente alguém distanciado das lides pastorais da Igreja desconsideraria sua relevância.

No âmbito judaico-cristão, os fenômenos extraordinários têm importância capital. A Revelação de Deus, que tem uma natureza pública e social, expressa-se por palavras, mas também através de fatos e mesmo através de fatos prodigiosos que chamamos milagres. Os milagres fazem parte da Revelação e como tal devem ser considerados.

Assim, convém esclarecer alguns aspectos gerais que facilitam a compreensão e o oportuno julgamento que muitas vezes é requerido ao teólogo-pastor. Negar a possibilidade de fenômenos extraordinários ou sobrenaturais seria puro ceticismo. Acreditar na veracidade e sobrenaturalidade de todos os pretensos casos seria colecionar o maravilhoso imprudentemente, expondo a Igreja ao risível. Nada dizer seria deixar livre curso ao imaginário. O presente artigo é uma sistematização a partir de uma importante bibliografia sobre o assunto(1), porém não pretende ser exaustivo. Além disso, pode-se encontrar ampla e diversa bibliografia relacionada(2).

1. O que é um milagre?

Milagre vem do latim miraculum. Na antigüidade clássica era um fato excepcional ou inexplicável, um fato maravilhoso ou extraordinário que suscita admiração, considerado como sinal e manifestação de uma vontade divina (3).

A partir do testemunho bíblico, percebe-se uma evolução na compreensão teológica do milagre. Os momentos centrais dessa compreensão foram a doutrina de santo Agostinho, de santo Tomás e a resposta apologética à crítica ilustrada. O magistério da Igreja ocupou-se do milagre, sobretudo a partir do Concílio Vaticano I.

a) Na Sagrada Escritura

As coordenadas da linguagem bíblica sobre o milagre são diversas. O termo traduziu a riqueza expressiva dos termos hebraicos ot, nifla’ot, nora’ot, môfét, e os termos gregos sêmeia, dýnamis, thaúmata, térata, parádoxa, etc.

Para o aspecto psicológico do milagre: no Antigo Testamento encontramos môfét, que significa prodígio, um fato insólito, que provoca assombro, admiração, surpresa. No Novo Testamento, encontramos thaumázo e téras, com o mesmo tipo de significado. No entanto, esse prodígio, aos olhos da Sagrada Escritura, não é um prodígio profano, mas sagrado.

Para o aspecto factual, ontológico: no Antigo Testamento, encontramos nifla’ôt, que são obras próprias de Deus e impossíveis para o homem (ações divinas), manifestações e efeitos do poder divino. É o aspecto ontológico do milagre: obra transcendente, impossível às criaturas, o que supõe uma intervenção especial da causalidade divina.

Para o aspecto intencional ou semiológico ou noético: no Novo Testamento, encontramossêmeion (l. signum), pois o milagre não é somente um prodígio que suscita o assombro, mas um sinal que Deus dirige aos homens. O milagre é portador de uma intenção divina que há de ser lida. Assim, ora Deus dá a entender que está com o seu enviado (p. ex., Moisés, Elias), ora que chegou o Reino (p. ex., nos “sinais” operados por Jesus).

Assim, para a Sagrada Escritura, o milagre é um prodígio religioso (aspecto psicológico), uma obra de poder (aspecto da causalidade), um sinal dirigido por Deus (aspecto da intencionalidade). Especialmente nos Evangelhos, é considerado como sinal, isto é, como “palavra plástica” de Deus que interpela o homem e o ajuda a proferir um ato de fé na mensagem transmitida por Cristo. Ou seja, os milagres são sinais divinos que não podem dar-se separados ou isolados da Revelação de Deus à qual pertencem e que expressam.

b) Em santo Agostinho

Nos Padres, o milagre é apresentado dentro do conjunto da Revelação e da fé, destacando seu caráter de sinal assim como a função que lhe é própria: orientar à Revelação.

Santo Agostinho foi o primeiro a estabelecer uma doutrina sistemática sobre o milagre, que influirá até ao século XII. Considera o milagre no horizonte da atividade criadora de Deus, que deixou sementes e virtualidades nas coisas (rationes seminales). No milagre importa mais o seu valor de sinal e não tanto o de transcendência física. Ele reconhece no milagre a intervenção divina, que não consiste, no entanto, em um ato de poder criador de Deus, mas em um desígnio de sua providência, mediante o qual desperta “a energia” que já havia depositado nas coisas. Os milagres seriam fenômenos que Deus provoca a partir das sementes secretas que se encontravam em germe desde a criação. Portanto, de certa forma, tudo, na natureza e no mundo, pode ser considerado como milagre, e os milagres especiais o são por seu caráter insólito e extraordinário. O fundamental neles não é o poder que mostram, mas que Deus pode utilizá-los de modo especial como sinais. Em De Trinitate, são propriamente milagres e sinais aqueles fatos que se apresentam a nossos sentidos para transmitir-nos algo divino (4). Em De utilitate credendi, milagre é tudo o que, sendo difícil e não-habitual, supera as esperanças e o poder do espectador assombrado (5). Portanto, um acento no psicológico: para Santo Agostinho, o importante no milagre é sua capacidade de elevar o homem à inteligência das realidades do mundo da graça. Não nega a intervenção direta de Deus, mas acima de tudo é um sinal devido ao seu caráter não-habitual ou extraordinário. Uma síntese do pensamento agostiniano sobre o milagre encontra-se no comentário sobre a multiplicação dos pães, em Tractatus in Ioannis Evangelium (6).



c) Em santo Anselmo e santo Tomás

Santo Anselmo distingue tríplice causalidade: a da natureza, a do homem, a de Deus. A natureza e o homem não podem fazer nada sem Deus, mas Deus pode atuar sem a natureza e sem o homem. O milagre tem que ver com a causalidade divina, independentemente de toda causa segunda; é um fato transcendente, que só pode atribuir-se a Deus. Portanto, um acento no ontológico.

Santo Tomás de Aquino ocupou-se do milagre em diversos lugares (7). O Aquinate retoca a definição de Santo Agostinho: Miraculum dicitur arduum et insolitum supra facultatem naturae et spem admirantis proveniens (8). Afirma que nos milagres podemos distinguir: primeiro, o que nele ocorre, quer dizer, algo que supera as forças da natureza, que é o que faz designar o milagre como ato de poder; em segundo lugar, a finalidade do milagre, isto é, a manifestação de um caráter sobrenatural; finalmente, seu caráter excepcional é que os faz designar como prodígios ou maravilhas (9).

Ainda, o doutor angélico distingue três gêneros de milagres, segundo a distância entre o fato devido à intervenção divina e as possibilidades das causas segundas: milagres em que Deus obra algo que a natureza nunca pode fazer; milagres em que Deus obra algo que a natureza pode realizar, mas em outra ordem; milagres em que Deus obra algo que também as criaturas fazem, mas o faz sem ater-se a determinadas exigências (10).

d) Na crítica ilustrada e na apologética

Depois de santo Tomás, acentuou-se o aspecto ontológico, sem preocupação demasiada com os outros aspectos. A própria idéia de santo Tomás sobre lei e natureza acabaram cedendo espaço às idéias racionalistas: a lei no contexto moderno. A natureza, pensam os deístas e ilustrados, está regida por leis necessárias e inalteráveis, postas por Deus. Postula-se, então, sobre bases filosóficas, uma visão determinista da natureza. Um determinismo que acabou adversário da possibilidade do milagre. Nessa visão da natureza, o milagre torna-se impossível; claro está, dentro da visão da crítica ilustrada onde a noção de Deus é a própria do deísmo ou do panteísmo, onde Deus é entendido como suprema razão que se manifesta na universalidade e necessidade, mas que se vê incapacitada de integrar a liberdade.

A resposta da apologética teológica insistiu sobretudo na possibilidade dos milagres e na “quebra” das leis naturais que os caracteriza e que somente Deus pode realizar. Ao centrar-se de maneira preponderante na transcendência física do milagre, a apologética deixou, de certo modo, que o caráter de sinal caísse no esquecimento. Ao ater-se somente à consideração do milagre/prodígio, concebido como um fato de ordem física que supera a força eficiente de todas as criaturas, sem apelar ao caráter intencional, reduz um problema religioso a um problema de pura causalidade eficiente. Pois o milagre em sua especificidade mais profunda é um sinal de uma ordem da graça dirigido por Deus.

e) Numa renovação na idéia de milagre


Uma fonte de renovação sobre o pensamento em torno ao milagre deve-se ao filósofo Maurice Blondel. Para ele, o milagre não é somente um prodígio físico que se refere exclusivamente aos sentidos, à ciência ou a filosofia, mas que é, ao mesmo tempo, um sinal dirigido a todo homem, um sinal de ordem espiritual e de caráter moral e religioso, um sinal que revela, não apenas a existência da causa primeira (do que os fatos naturais são suficientes para assegurar-nos), mas, sobretudo, a bondade de um Deus Pai que marca sua intervenção especial e que autentica desse modo um dom sobrenatural.

Assim, o milagre tem uma realidade física. Não é somente um fato extraordinário, percebido aos olhos da fé; é um testemunho escrito por Deus nos fatos. Se o milagre é verdadeiramente figurativo da bondade “anormal” de Deus, é preciso que possua uma realidade física. Os milagres são benefícios temporais verdadeiros e reais. O milagre é o análogo do sobrenatural. Situa-se no juízo mesmo de dois mundos: é sinal sensível das realidades invisíveis.

Mais o milagre tem uma função no tempo presente: um benefício real. Mas este benefício não é mais que uma prefiguração, uma antecipação fugidia da “terra prometida”. O milagre pertence ao mundo da Revelação divina. Por sua própria natureza, o homem não pode ser mais que servidor, amigo, “filho adotivo”: numa invenção sobre-humana e supradivina do amor. O milagre é a “teofania” da bondade misericordiosa e favorável que triunfa sobre a natureza e sobre o tempo no tempo e na natureza mesma. Os milagres são “atos falantes”, “palavras atuantes”. Se o milagre nos desconcerta e nos inquieta, é porque nos urge à conversão. Em sua relação com a doutrina da fé, o milagre é motivo de credibilidade. Mostra a bondade da mensagem em exercício.

Ainda: é impossível demonstrar cientificamente a transcendência de um fato. Mas o milagre não se situa nesse nível. Não fala a linguagem da ciência. O que se pode constatar é seu caráter extraordinário e perceber sua relação com a mensagem de Deus. O milagre é o que na ordem sensível se leva a cabo divinamente, com vistas ao sobrenatural. O milagre recorda-nos que o mundo é criado por Deus, que não existe mais que nEle e para Ele.

Portanto, para Blondel, o milagre é ao mesmo tempo um fato extraordinário que rompe bruscamente com o curso habitual das coisas e uma manifestação absolutamente particular da bondade de Deus Pai. Um sinal figurativo e confirmativo da mensagem cristã. Um sinal da “anormal” bondade de Deus. Um prodígio significante: aurora da nova criação.

Segundo R. Latourelle, milagre é um prodígio religioso, que expressa na ordem cósmica (o homem e o universo) uma intervenção especial e gratuita do Deus de poder e de amor, que dirige aos homens um sinal da presença ininterrupta de uma palavra de salvação no mundo.

Assim, em primeiro lugar, é um prodígio na ordem cósmica, um fenômeno insólito que altera o curso habitual das coisas e que causa surpresa e admiração. Em segundo lugar, é um prodígio religioso ou sagrado, ou seja, realizado num contexto religioso (não-fantasmagórico, fabuloso ou mítico). No contexto profano, o milagre não teria nenhum sentido e nenhuma razão de ser. Em terceiro lugar, é uma intervenção especial e gratuita do Deus de poder e de amor. Em quarto lugar, é um sinal divino, ou seja, é um prodígio com significado.

f) No magistério


Não há uma definição completa de milagre dada pelo Magistério da Igreja, ou seja, nunca o julgou necessário ou nunca a quis dar. O Concílio Vaticano I indica as características do milagre: são fatos divinos, isto é, têm Deus como autor, ao menos como causa principal, e são fatos distintos dos da Providência ordinária supondo uma intervenção especial de Deus; são sinais dirigidos por Deus aos homens para ajudar-nos a reconhecer que Deus falou à humanidade; causam assombro (11).

Pio X recolhe no juramento antimodernista o mesmo ensinamento do Vaticano I, insistindo na idéia de que os milagres são motivos de credibilidade acomodados a toda época(12). Pio XII refere-se também ao juízo certo de credibilidade, que se apóia nos milagres, acerca da origem divina da religião cristã (13).

No Concílio Vaticano II mencionam-se: “obras, sinais e milagres pelos quais Cristo revela e atesta a Revelação” (14); “os milagres de Jesus permitem comprovar que o Reino de Jesus já chegou à terra” (15); Cristo “apoiou e confirmou sua pregação com milagres para excitar e robustecer a fé dos ouvintes, mas não para exercer coação sobre eles” (16).

2. As condições de um milagre


A teologia afirma que o milagre é essencialmente um sinal ou palavra-feito de Deus, dotada de três características. Com efeito, o milagre é:
a) um fato real,
b) totalmente inexplicável pela ciência contemporânea ao mesmo,
c) realizado em autêntico contexto religioso, como sinal ou resposta de Deus a esse contexto.

Um fato real: porque requer-se que o episódio apresentado seja histórico, autêntico, real. Sabe-se quanto a imaginação é fértil em criar casos maravilhosos ou, ao menos, em aumentar as dimensões estranhas de determinado fato. Também o subconsciente, com suas aspirações íntimas, a alucinação, a sugestão, é responsável por muitos dos casos tidos como milagres pelo vulgo.

Um fato inexplicável pela ciência contemporânea ao mesmo: a ciência moderna tem elucidado numerosos fenômenos que, na época de sua ocorrência, foram tidos como milagres. Mas há fatos (p. ex., nos Evangelhos) que a ciência não explica, nem jamais explicará. Mas basta para ser “sinal” que a ciência contemporânea não o saiba explicar, nem conheça pista para explicá-lo futuramente.

Um fato realizado em autêntico contexto religioso: o milagre vem confirmar, da parte de Deus, uma atitude religiosa do homem. Ora, Deus só pode confirmar valores autênticos e verdadeiros. Por isso, mesmo quando a ciência considera inexplicável um fato, a Igreja permanece reticente. Ela examina as circunstâncias: terá sido resposta a uma prece humilde, confiante, inspirada na verdadeira fé? Terá servido para confirmar um servidor de Deus cuja doutrina ou cujo comportamento precisavam da chancela do próprio Deus? Será que o prodígio se verificou em contexto de magia, crendices, superstições, culto ao demônio?

Portanto, por sua própria índole, o milagre é um sinal, ou uma palavra “plástica” dirigida por Deus a determinada porção da humanidade, a fim de suscitar a fé dos homens ou tornar mais facilmente acreditável aquilo que o milagre assinala (a mensagem ou a pessoa). O milagre é uma das formas da comunicação reveladora de Deus. Forma parte das obras, através das quais, junto com as palavras, tem lugar a Revelação. Às obras concretamente compete manifestar e confirmar a doutrina (17). A função significativa que os milagres oferecem da Revelação realiza-se em vários níveis: são sinais do poder misericordioso de Deus (p. ex., Mt. 9,1 - 8); são sinais do Reino messiânico (p. ex. Mc. 1,35 - 39); são sinais da missão divina de seus enviados (p. ex., Ex. 4, 1; 14,31; 1 Re 18,37 - 39; Mt 11,21; Jo 3, 2; 7, 31; At 2,22; 10, 38); são sinais da glória de Cristo (p. ex., Mt. 11,27; Jo 1,14; 3, 35); são sinais de salvação (p. ex., Mc. 1,40 - 45; Lc 5, 10); são sinais escatológicos (p. ex., Cl. 1,18; Rm. 8,11).

3. Aspectos positivos e negativos a observar nos fenômenos


Podemos observar aspectos positivos e negativos durante a análise de um possível milagre. Critérios negativos (não são reconhecidos como milagres) são:

- os fenômenos ambivalentes: suscetíveis de dupla interpretação (natural ou transcendental). Certos acontecimentos podem verificar-se tanto em contexto religioso como em contexto puramente natural (p. ex., vozes interiores, êxtases, sonhos premonitórios, adivinhação do pensamento, visões, etc.). Muitas vezes será difícil distinguir;

- os fenômenos de experiência meramente individual: só uma determinada pessoa o vive e o conhece. São verdadeiros sinais para a pessoa, inclusive podem ser de Deus, mas não podem ser utilizados como mensagem destinada a mais pessoas. Tais sinais têm algo de incomunicável, pois implicam um tanto de experiência imediata e de intuição, que não se pode enquadrar em um esquema objetivo e válido para o grande público (p. ex., sinais da Divina Providência, sonhos, iluminações, etc.). Muitas vezes poder-se-ia apelar à mera coincidência e, em outros casos, à sugestão;

- as curas de moléstias funcionais. As curas de doenças são os mais comuns “milagres”. Devem-se distinguir-se doenças orgânicas das funcionais. As doenças orgânicas são as doenças nas quais há um ou mais órgãos afetados na sua integridade anatômica ou histológica, ou deformado e degenerescente, de modo a estar em vias de perecer. As doenças meramente funcionais são as doenças que não dependem de lesão física mas de perturbação do sistema nervoso. Existem perturbações histéricas pseudo-orgânicas que apresentam todos os sintomas de uma lesão orgânica, sem que esta exista realmente. Há quem mencione também as doenças psicossomáticas, nas quais um fundo nervoso está associado a lesões orgânicas. Em alguns casos, o elemento psíquico predomina e é diretamente responsável por irritações orgânicas (p. ex., dermatoses, moléstias cardíacas). Em outros casos, o fator orgânico predomina, mas o estado psíquico ou afetivo do paciente influi. Para “milagres” interessam as lesões orgânicas nitidamente diagnosticadas e tidas como incuráveis pela medicina contemporânea.

Existem também circunstâncias que desabonam um pretenso “milagre”: ambiente de irreverência a Deus, imoralidade, charlatanismo ou ilusionismo, cobiça de lucros materiais ou aceitação destes, ocasião de orgulho, vaidade ou sensualidade e culto da personalidade; ambientes de sensacionalismo e alarde, de fantasia e vã curiosidade, pois as obras de Deus costumam ser discretas; espírito de arrogância e de domínio com que alguém trata as coisas de Deus.

São critérios positivos:

- no caso de cura, em se tratando de doença orgânica grave, consistindo em alterações anatômicas significativas (modificação, perda ou hiper-produção de tecidos). Esta doença terá sido diagnosticada pelos métodos mais seguros e considerada totalmente incurável aos olhos da medicina contemporânea;

- no caso de cura, tenham sido ineficientes todos os meios terapêuticos devidamente aplicados;

- no caso de cura, verifique-se a restauração dos órgãos ou tecidos lesados em espaço de tempo tão breve que possa ser considerado instantâneo;

- no caso de cura, não se tenha registrado o prazo ordinariamente necessário para a recuperação gradual da função lesada (a pessoa retoma suas atividades com naturalidade em tempo extraordinariamente pequeno);

- seja a cura duradoura, capaz de ser comprovada por exames sucessivos, feitos a intervalos regulares durante longo espaço de tempo;

- autênticas atitudes de fé (oração e humildade); os efeitos do “milagre” são confirmação dos homens na verdade e no bem, repúdio ao pecado, conversões à reta fé, paz na alma, concórdia e caridade entre as pessoas, fidelidade ao dever de estado, obediência à autoridade eclesiástica, etc.

4. Etapas da verificação de milagres

Existem questões decisivas e sucessivas na análise de um possível milagre. Realmente sucedeu esse fato prodigioso? Não existe uma causa natural para o fato? O agente do milagre foi Deus? Qual a mensagem que Deus quis transmitir?

Daí, pode-se dizer que são quatro as etapas para verificação dos milagres:
a) verificar a autenticidade do fato;
b) verificar a possibilidade de explicação científica (de parte das ciências físicas, químicas, biológicas, médicas ou psicológicas);
c) verificar a explicação teológica (explicação sobrenatural);
d) verificar o significado (o motivo da permissão ou realização do específico fenômeno).

Na primeira etapa, da verificação da autenticidade do fato, o rigor da análise quer excluir possibilidade de mentira, de boato, de fraude, de falsas recordações ou deformações da memória, de ilusões ou alucinações, da mitomania dos histéricos ou da interpretação delirante dos paranóicos, etc.

Na segunda etapa, constatado o fato, procede-se à investigação sobre possível causa natural. Intervêm as diversas ciências teóricas, experimentais ou aplicadas, de acordo com a natureza do fenômeno: física, química, biologia, medicina, psiquiatria, engenharia, astronomia, etc.

Na terceira etapa, o processo teológico, apela-se à Revelação e à teologia. Tal etapa deve realizar-se apenas quando a anterior estiver decididamente esgotada em suas possibilidades. Ou seja, vai-se à causalidade sobrenatural, depois de eliminada a causalidade natural.

Na quarta etapa, do significado, quer-se descobrir o motivo da realização ou permissão, por parte de Deus, do específico fenômeno. Além da Revelação e da teologia, há que estar atento às circunstâncias e às repercussões pessoais, comunitárias ou até mundiais do fenômeno. Evidente, enquanto sinais de poder que permitem captar a presença e a ação salvífica de Deus, os milagres não têm todos o mesmo valor. Existe entre eles uma graduação. O decisivo no milagre é sua significância salvífica. Traduzindo: “O que Deus quis com isso?”

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prof. Dr. Pe. Manoel Augusto Santos - FATEO – PUCRS
"Publicado em Teocomunicação 142 (2003) 881 - 894"

(1) R. LATOURELLE, Milagros de Jesús y Teología del Milagro, Salamanca: Sígueme, 1990. Id., “Milagre”, in: R. LATOURELLE; R. FISICHELLA (dir.), Dicionário de Teologia Fundamental, Petrópolis-Aparecida: Vozes-Santuário, 1994, p. 624-640. W. MUNDLE; O. HOFIUS, “Milagro”, in L. COENEN; E. BEYREUTHER; H. BIETENHARD, Diccionario Teológico del Nuevo Testamento, v. III, p. 85-94. J. A. SAYÉS, Compendio de Teología Fundamental, Valencia: Edicep, 1998, p. 157s, 179-182, 272-276, 279-304. F. OCÁRIZ; A. BLANCO, Revelación, Fe y Credibilidad, Madrid: Palabra, 1998, p. 388-392, 555-572. J. METZ, “Milagro”, in: Sacramentum Mundi, Barcelona: Herder, 1984, v. 4, p. 595-599. E. MARTÍN NIETO, “Milagro”, in: F. RAMOS, Diccionario de Jesús de Nazaret, Burgos: Monte Carmelo, 2001, p. 825s. L. PIMENTEL CINTRA, Ciência e Milagres, São Paulo: Quadrante, 1994. R. BAUMANN, “Milagro”, in: Diccionario de Conceptos Teológicos, Barcelona: Herder, 1990, v. 2, p. 69-80. C. IZQUIERDO URBINA, Teología Fundamental, Pamplona: Eunsa, 1998, p. 391-407. M. SCHMAUS, A Fé da Igreja, Petrópolis: Vozes, 1982, v. 1, p. 93-97. N. ABBAGNANO, “Milagre”, in: Dicionário de Filosofia, 2ed., São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 641.

(2) P. ex.: G. AMORTH, Un esorcista racconta, Roma: Dehoniane, 1990. C. BALDUCCI, La possessione diabolica, 9ed., Roma: Mediterranee, 1988. M. ELIADE, Tratado de História das Religiões, Lisboa: Cosmos, 1990. E. FRIEDRICHS, Onde os espíritos baixam, São Paulo: Paulinas, 1965. P. A. GRAMAGLIA, Espiritismo; dimensões ocultas da realidade, São Paulo: Paulus, 1995. G. HUBER, O diabo, hoje, São Paulo: Quadrante, 1999. W. KASPER et alii, Diabo, demônios, possessão, São Paulo: Loyola, 1992. B. KLOPPENBURG, Espiritismo e fé, São Paulo: Quadrante, 1990. Id.,Espiritismo; orientação para os católicos, São Paulo: Loyola, 1986. Id., O Espiritismo no Brasil, Petrópolis: Vozes, 1960. E. LA PORTA, Estudo psicanalítico dos rituais afro-brasileiros, Rio de Janeiro, 1979. R. LAURENTIN, Il demonio mito o realtà?, Milano-Udine: Massimo-Segno, 1995. V. MARCOZZI, Fenômenos paranormais e dons místicos, São Paulo: Paulinas, 1993. A. SCOLA et alii,Sectas satánicas y fe cristiana, Madrid: Palabra, 1998. A. STILL, Nas fronteiras da ciência e da parapsicologia, São Paulo: IBRASA, 1965. B. WENISH, Satanismo, Petrópolis: Vozes, 1992.

(3) Cf. Ilíada, II, 234; Odisséia, III, 173; XII, 394.

(4) Cf. PL 42, 879.

(5) Cf. PL 42, 90: “Miraculum voco quidquid arduum aut insolitum supra spem vel facultatem mirantis apparet”.

(6) Cf. PL 35, 1592.

(7) Cf. sobretudo em De potentia q. 6; S. Th. I, q. 105, aa. 6-8.

(8) S. Th. I, q. 105, a. 7, ad. 2.

(9) Cf. S. Th. II-II, q. 178, a. 1, ad. 1: “In miraculis duo attendi possunt: unum quidem est id quod fit, quod quidem est aliquid excedens facultatem naturae, et secundum hoc miracula dicuntur virtutes; aliud est id propter quod miracula fiunt, scilicet ad manifestandum aliquid supernaturale, et secundum hoc communiter dicuntur signa; propter excellentiam autem dicuntur portenta vel prodigia, quasi procul aliquid ostendentia”.

(10) Cf. Contra Gentiles III, c. 100.

(11) Cf. DS 3009.

(12) Cf. DS 3539.

(13) Cf. DS 3876.

(14) DV 4.

(15) LG 5.

(16) Dignitatis humanae 11.

(17) Cf. DV 2.

terça-feira, outubro 11, 2016

O SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA É PREFIGURADO DOIS MIL ANOS ANTES DE INSTITUÍDO.


Dentre todas as figuras da Eucaristia, enquanto sacrifício, existentes no Antigo Testamento nenhuma é tão recordada pela tradição como o sacrifício de pão e vinho oferecido por Melquisedeque. Este relato do Gênesis está, por isso mesmo, apresentado mais abaixo e também, por força de uma razão ainda maior, porque nos Salmos e no Novo Testamento se diz expressamente de Nosso Senhor Jesus Cristo que Ele é sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.

Com efeito, a Sagrada Escritura relaciona a oblação que Jesus fez de seu Corpo e Sangue, na Última Ceia, ao Pai, com o fato de ser Ele sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque, como O chamou o rei David. De modo que deve ser afirmado que a oblação de Melquisedeque foi verdadeiro tipo do sacrifício eucarístico, o que vale dizer que aquela não é apenas uma oblação semelhante, mas que Deus dispôs que Melquisedeque a fizera e assim nos fosse narrada no Gênesis, para que tivéssemos uma autêntica prefiguração da Eucaristia.

Diz o Livro do Gênesis:

18-Então, Melquisedeque, monarca de Salem, tomou pão e vinho, pois era sacerdote do Deus Altíssimo, 19 os benzeu, exclamando: Bendito Abraão do Deus Altíssimo, criador do céu e da terra, 20 e bendito seja Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos em tuas mãos!‘ Depois do que Abraão lhe deu o dízimo de tudo.

Regressava Abraão depois de derrotar vários reis, que haviam aprisionado a seu sobrinho Lot e tudo que ele tinha, e Melquisedeque, rei e sacerdote monarca de Salem... sacerdote do Deus Altíssimo, saiu a seu encontro, ofereceu a Deus um sacrifício de pão e vinho que logo deu em convite a Abraão e aos seus e por fim abençoou a Abraão.

divina Providência, uns dois mil anos antes da efetiva instituição da Eucaristia, já havia tido o cuidado de figurar este Sacrifício e este Convite, que havia de ser o centro do culto cristão: o santo Sacrifício da Missa e o Sacramento da Comunhão.


O rei David dá a Jesus Cristo, no salmo 109, o título de Sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque, porque nosso divino Salvador irá empregar o pão e o vinho no Sacrifício da Nova Aliança, como outrora o havia feito Melquisedeque.

O rei profeta O chama Padre eterno porque pai Ele sempre será e porque o sacrifício que Ele irá instituir continuará a existir até o fim dos tempos graças ao sacerdócio católico.

POR MALAQUIAS.

O profeta Malaquias diz, no primeiro capítulo, versículo 11, que depois do nascer e até o pôr do sol, será oferecido, em toda parte em todo lugar um sacrifício puro e sem mancha à majestade do Altíssimo”.

POR JEREMIAS

O profeta Jeremias, no capítulo 33, versículo 18, profetiza que nunca se verá faltar os sacerdotes e os sacrifícios. E é a Igreja Católica, pelo ministério dos seus sacerdotes, que oferecerá até o fim dos tempos, em todos os lugares, o Sacrifício da Cruz, perpetuado pelo santo Sacrifício da Missa, conforme as profecias de David, Malaquias e Jeremias.

quarta-feira, outubro 05, 2016

Da falsa e da verdadeira liberdade de ensino



[Nota dos editores: Excerto da Encíclica Libertas Præstantissimum, do Papa Leão XIII]

Falsa liberdade de ensino.

Quanto ao que chamam liberdade de ensino, também não é preciso julga-la por modo diverso. Só a verdade deve penetrar nas almas, pois que é só nela que as naturezas inteligentes encontram o seu bem, o seu fim, a sua perfeição. Por isso, o ensino só deve ter por objeto coisas verdadeiras, e isto quer se dirija aos ignorantes quer aos sábios, a fim de que leve a uns o conhecimento da verdade, e aos outros a fortaleça. Por este motivo, o dever de todo aquele que se dedica ao ensino é, sem contradição, extirpar o erro dos espíritos e opor fortes barreiras à invasão das falsas opiniões. É, pois, evidente que a liberdade de que estamos tratando, arrogando-se o direito de tudo ensinar a seu modo, está em contradição flagrante com a razão e nasceu para produzir um transtorno completo nos espíritos. O poder público não pode consentir tal licença na sociedade senão com desprezo do seu dever. Tanto mais verdade é isto, que todos sabem de quanto peso é para os ouvintes a autoridade do professor, e quão raro é que um discípulo possa julgar pó si mesmo da verdade do ensino do mestre.

Conceito da verdadeira liberdade de ensino.

Eis aí, por que também esta liberdade, para que seja honesta, tem necessidade de ser restringida em determinados limites. É, pois, necessário que a arte do ensino não possa impunemente converter-se num instrumento de corrupção. Ora, a verdade, que deve ser o único objeto de ensino, é de duas espécies: a verdade natural e a sobrenatural. As verdades naturais, às quais pertencem os princípios da natureza e as conclusões próximas que deles deduz a razão, constituem como que o patrimônio comum do gênero humano; são como que o sólido fundamento sobre que assentam os costumes, a justiça, a religião e a própria existência da sociedade humana; e seria desde logo a maior das impiedades, a mais desumana das loucuras, deixa-las violar e destruir impunemente. Mas é necessário pôr não menos escrúpulo em conservar o magno e sagrado tesouro das verdades que o próprio Deus nos fez conhecer. Por um grande número de argumentos luminosos, muitas vezes repetidos pelos apologistas, foram estabelecidos certos pontos principais de doutrina, por exemplo: há uma revelação divina; o Filho único de Deus fez-se homem para dar testemunho da verdade; por Ele foi fundada uma sociedade perfeita, isto é, a Igreja, de que Ele mesmo é o Chefe e com a qual prometeu estar até a consumação dos séculos.

A esta sociedade quis Ele confiar todas as verdades que ensinara, com a missão de as guardar, de as desenvolver com autoridade legítima; e, ao mesmo temo, ordenou a todas as nações que obedecessem aos ensinamentos da sua Igreja como a Ele mesmo, sob pena de perda eterna para aqueles que isto transgredissem. Daqui ressalta claramente que o melhor e mais seguro mestre, para o homem, é Deus, fonte e principio de toda a verdade; é o Filho único que vive no seio do Pai, caminho, verdade, vida e luz verdadeira que esclarece todos os homens; e cujos ensinamentos devem ter por discípulos todos os homens: E eles serão todos ensinados por Deus (Jo 6, 45). Mas para a fé e regra dos costumes Deus fez a Igreja partícipe do seu divino privilegio de infalibilidade. Eis ai por que ela é grande e segura mestra dos homens e tem em si um direito inviolável à liberdade de ensinar. E, de fato, a Igreja, que nos ensinamentos recebidos do Céu encontra o seu próprio sustentáculo, nada tem tido tanto a peito como desempenhar, religiosamente a missão que Deus lhe confiou, e, sem se deixar intimidar pelas dificuldades que, por toda parte, a cercam, não tem cessado em tempo algum de combater pela liberdade do seu magistério. Foi por este meio que todo o mundo, liberto da miséria das suas superstições, encontrou na sabedoria cristã a sua regeneração.

Mas como a própria razão o ensina claramente: entre as verdades divinamente reveladas e as verdades naturais não pode haver real oposição, de sorte que toda a doutrina que contradiga àquelas será necessariamente falsa, segue-se que o divino magistério da Igreja, longe de pôr obstáculos ao amor do saber e ao desenvolvimento das ciências, ou de retardar por qualquer modo o progresso da civilização, é, pelo contrário, para estas coisas, uma vivíssima luz e uma segura proteção. E, por esta mesma razão, o próprio aperfeiçoamento da liberdade humana aproveita não pouco com a sua influência, segundo a máxima de Jesus Cristo Salvador, que o homem se torna livre pela verdade: Conhecereis a verdade, e a verdade vos fará livres (Jo 8, 32).

Não há, pois, motivo para que a genuína liberdade se indigne e a ciência verdadeira se irrite contra as leis justas e necessárias, que devem regular os ensinamentos humanos, como o reclamam acordes a Igreja e a razão. Há mais: e é, que a Igreja, dirigindo principal e especialmente a sua atividade para a defesa da fé cristã, aplica-se também em favorecer o gosto de bons estudos em si mesmos têm alguma coisa de bom, de louvável, de desejável; e, demais, toda a ciência, que é fruto da reta razão e corresponde à realidade das coisas, é duma utilidade não medíocre até para esclarecer as verdades reveladas por Deus. E de fato, que imensos serviços a Igreja não prestou com o admirável cuidado com que conservou os monumentos da ciência antiga, com os asilos que abriu, por toda parte, às ciências, com o estímulo que sempre deu a todos os progressos, favorecendo dum modo particular as próprias artes que são a glória da civilização da nossa época.

Enfim, é necessário não esquecer que ainda há imenso campo aberto em que a atividade humana pode dilatar-se e exercer-se livremente a razão: referimo-Nos às matérias que não têm uma conexão necessária com a doutrina da fé e dos costumes cristãos, ou sobre as quais a Igreja, não usando da sua autoridade, deixa aos sábios toda a liberdade de suas opiniões. Por estas considerações se vê de que espécie e de que qualidade e, neste particular, a verdade que os partidários do liberalismo reclamam e proclamam com igual ardor. Por um lado, atribuem a si mesmos, assim como ao Estado, uma licença tal que não há opinião, por mais perversa que seja, à qual não abram a porta e não dêem livre passagem; por outro, suscitam à Igreja obstáculos sobre obstáculos, encerrando a liberdade dela nos limites mais estreitos que podem, quando aliás nenhum inconveniente há a recear dos ensinamentos da Igreja, e antes se devem esperar deles as maiores vantagens.

A farsa da “homofobia”



Qualificar agressões criminosas como “homofobia” é inadequado, simplesmente por que não se trata de uma fobia no sentido psicológico do termo. É aqui que se encontra o ardil da coisa: o marxismo é coletivista, crê na bondade natural do ser humano e desloca a culpa de qualquer crime dos indivíduos para a sociedade. Dentro dessa lógica, o roubo não é propriamente culpa do ladrão, mas de uma sociedade economicamente desigual; já a agressão aos homossexuais também não é culpa propriamente do agressor, mas de uma sociedade culturalmente avessa à homossexualidade. E qual é a grande matriz cultural da nossa sociedade? O cristianismo! E é assim que se rotulam tanto os criminosos que agridem os gays nas ruas, quanto os cristãos que apenas defendem seus valores morais, igualmente como “homofóbicos”. O termo “homofobia” só serve para colocar todos no mesmo barco e fazer com que os cristãos ou traiam seus princípios, ou sejam tratados com criminosos [1][2]. E é por isso que não podemos aceitar o uso desse termo. Trata-se de um rótulo desonesto[3][4].

Deixo ainda duas observações:

1- É curioso que o movimento LGBT não aceite o uso do termo “homossexualismo”, alegando que o sufixo “ismo” é indicativo de doença. Ora, em primeiro lugar o sufixo “ismo” tem diversas outras aplicações, podendo ser indicativo de prática ou ideologia, por exemplo. “Socialismo” é doença? Às vezes, parece. Em segundo lugar, não aceitar o sufixo “ismo”, mas rotular os opositores como “homofóbicos”, sendo o radical grego “fobia” consagrado na literatura psicológica como designativo de transtorno mental é, no mínimo, hipocrisia. Isso sem falar no non-sense da construção etimológica da palavra, pois “homo” remete apenas a “igual” e não a “homossexual”.

2- O mesmo ardil desonesto promovido pelo movimento LGBT em relação à “homofobia” o movimento feminista faz alegando que há na sociedade uma “cultura do estupro”. Felizmente, o caso IPEA serviu pra desmoralizar essa idéia absurda.

Leonardo Brum


Primeiro-secretário do Centro Cultural Jackson de Figueiredo
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[1] Exagero meu? De forma alguma. Basta que assistamos Luciana Genro perguntar ao Pr. Everaldo no debate eleitoral da Rede Bandeirantes se ele não se considera responsável por esse tipo de crime [http://goo.gl/NGE4iD], ou Jean Wyllys chamando textualmente os cristãos de assassinos [http://goo.gl/hRlCu4] por um crime cometido por um homossexual contra o outro [http://goo.gl/VCwKrq]. A propósito, este foi o segundo caso de grande repercussão em 2014 que tentam colocar na conta da “homofobia” para depois a máscara cair. O primeiro foi este [http://goo.gl/rZYFtR].
[2] Enquanto isso, as páginas oficiais tanto de Marina Silva [http://goo.gl/B5nn5U], quanto de Dilma Rousseff [http://goo.gl/i4QM72] atestam seu compromisso em criminalizar a tal “homofobia”. É claro que elas omitirão que, com isso, os cristãos é que acabarão sendo tratados como criminosos, mas, como escrevi certa vez, Luciana Genro é o que Marina e Dilma gostariam de ser mas não podem porque precisam ganhar a eleição [http://goo.gl/Od0aBO].
[3] “O ‘pecado’ de homofobia: a sociedade cristã em decúbito ventral”, porSidney Silveira:
http://goo.gl/RRWqOP

[4] “A Armadilha do ‘Preconceito’ e da ‘Homofobia’ – O vocabulário que quer a inversão do que é racional”, por Pe. Daniel Pinheiro:
http://goo.gl/uyAByG