sexta-feira, julho 29, 2016

Como foram transmitidos os evangelhos?


É sabido que não possuímos os manuscritos originais dos evangelhos, como de igual modo o de nenhum livro da antiguidade. Os escritos transmitiam-se mediante cópias manuscritas em papiro e mais tarde em pergaminho. Os evangelhos e os primeiros escritos cristãos não são alheios a este tipo de transmissão. O Novo Testamento deixa já perceber que algumas cartas de São Paulo se copiaram e se transmitem num corpo de escritos (2 Pe 3, 15-16), e o mesmo acontece com os evangelhos: as expressões de São Justino, Santo Ireneu, Orígenes etc., referidas numa pergunta anterior (Quem foram os evangelistas?) dão a entender que os evangelhos canónicos foram copiados desde o primeiro momento e transmitidos em conjunto.

O material utilizado nos primeiros séculos da era cristã foi o papiro e a partir do século III começou a usar-se o pergaminho, mais resistente e duradouro. Só a partir do século XIV se começou a utilizar o papel. Os manuscritos que conservamos dos evangelhos, com um estudo atento que se denomina crítica textual, mostram-nos que, em comparação com a maioria das obras da antiguidade, a fiabilidade que podemos dar ao texto que dispomos é muito grande. Em primeiro lugar, pela quantidade de manuscritos. Da Ilíada, por exemplo, temos menos de 700 manuscritos, mas de outras obras, como osAnales de Tácito, só temos uns poucos – e dos seus primeiros seis livros só um. Pelo contrário, do Novo Testamento temos cerca de 5.400 manuscritos gregos, sem contar as versões antigas noutros idiomas e as citações do texto em obras de escritores antigos. Além disso, existe a questão da distância entre a data de composição do livro e a data do manuscrito mais antigo. Enquanto que para muitíssimas obras clássicas da antiguidade essa distância é de quase dez séculos, o manuscrito mais antigo do Novo Testamento (o Papiro de Rylands) é trinta ou quarenta anos posterior ao momento de composição do evangelho de São João. Do século III temos papiros (os Papiros de Bodmer e Chester Beatty) que mostram que os evangelhos canónicos já coleccionados se transmitiam em códices; e desde o século IV os testemunhos são quase intermináveis.

Obviamente, ao comparar a multiplicidade de manuscritos, descobrem-se erros, más leituras, etc. A crítica textual dos evangelhos – e dos manuscritos antigos – examina as variantes que são significativas, tentando descobrir a sua origem – às vezes, um copista tenta harmonizar o texto de um evangelho com o de outro, outro tenta explicar o que lhe parece uma expressão incoerente, etc. – e procurando, dessa maneira, estabelecer como poderia ser o texto original. Os especialistas coincidem em afirmar que os evangelhos são os textos da antiguidade que melhor conhecemos. Baseiam-se para isso na evidência do que foi referido no parágrafo anterior e também no facto de que a comunidade que transmite os textos é uma comunidade crítica, de pessoas que comprometem a sua vida com o que é afirmado nos textos e que, obviamente, não comprometeriam a sua vida numas ideias criadas para a ocasião.
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Bibliografia: J. Trebolle, La Biblia judía y la Biblia cristiana. Introducción a la historia de la Biblia, Trotta, Madrid 1998; J. O'Callaghan, Los primeros testimonios del Nuevo Testamento. Papirología neotestamentaria, El Almendro, Córdoba 1995; E. J. Epp, “Textual Criticism (NT)”, em Anchor Bible Dictionary VI, Doubleday, New York 1992 (págs. 412-435); F. Varo, ¿Sabes leer la Biblia?, Planeta, Barcelona 2006.

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