MORAL
JOROLO (Santos): “Qual o significado da figa? E como julgar, do ponto de vista moral, o uso desse objeto?”
1) A figa pertence a uma categoria de símbolos em grego chamados phallói (no singular, phallós; em latim e nas línguas modernas, habitualmente phallus), símbolos aos quais os pagãos atribuíam valor religioso. Deviam significar a Vida e a Fecundidade (tidas como Divindades), representando, sob aspectos que variavam conforme as regiões e as épocas, um membro humano.
Os phallói eram estimados quais meios apotropéicos, isto é, aptos para afugentar influxos daninhos à vida, ou para repelir a má sorte e o fascinum (o mau-olhado da linguagem popular contemporânea); os pagãos tinham por certo que uma força superior habitava nesses emblemas, de sorte que quem trouxesse um pequeno phallós consigo (dentro do bolso ou pendurado ao pescoço) se revestia do poder inerente ao mesmo. Nas festividades do deus Baco (deus do vinho e das forças fecundas da natureza), um phallós era solenemente levado em procissão (phalliphoria), o que se dava de preferência na primavera, época em que a vida parece renascer; julgava-se então que a exposição e a veneração de tal símbolo acarretariam fecundidade para todos os seres vivos. Não será necessário frisar que a lascívia se introduzia facilmente em tais formas de culto.
2) Dos diversos tipos de phallói antigos persistiu até nossos dias a figa, de uso muito popular, É, sem dúvida, um remanescente do paganismo. Nos primeiros séculos da nossa era, os bispos e pregadores cristãos impugnavam fortemente o recurso a tal emblema (assim como aos phallói em geral); a opinião pública ainda conservava a consciência da ideologia pouco sadia que tais símbolos representavam, de sorte que o seu uso podia fàcilmente sugerir reminiscências impudicas. Hoje em dia, porém, a figa é usada por pessoas que em geral ignoram a origem e o significado primitivo de tal símbolo. Por conseguinte, parece que se deve lamentar não propriamente o caráter lascivo do uso (caráter que na maioria dos casos é inexistente), mas, antes, a índole supersticiosa de que se reveste o emprego da figa.
3) A superstição é uma modalidade aberrante e decadente do culto religioso. Explica-se (mas não se justifica) pelo desejo, inato em todo homem, de encontrar as causas dos fenômenos misteriosos que o cercam. Não raro a lei do menor esforço impele a massa a não raciocinar muito para procurar razões exatas; a gente simples então atribui certos efeitos estranhos a causas que são totalmente inadequadas para os produzir; dai o culto de amuletos, talismãs, «bentinhos», textos conjuratórios, que passam a ser estimados como se fossem detentores de poder divino.
Precisando um pouco mais, deveremos dizer que a superstição é uma fuga do homem a si mesmo e à sua dignidade. Com efeito, admita-se o caso de uma pessoa que esteja diante de uma séria opção a tomar na vida; deverá comprometer-se segundo determinado alvitre. Acontece então que muitos, desejosos, consciente ou inconscientemente, de declinar a responsabilidade, preferem entregar a decisão a um elemento independente da vontade humana; procuram sair do seu embaraço apelando para uma solução do tipo seguinte : «Se me ocorrer um corcunda ou um caolho, ... ou se tiver que entrar em alguma combinação com o número 13, desistirei de tal negócio. Se, ao contrário, encontrar uma ferradura de cavalo ou um trevo de quatro folhas, prosseguirei confiante!».
Para um cristão, tal associação de causas e efeitos é ilícita, pois equivale a atribuir poder superior (dir-se-ia : sobrenatural ou divino) a criaturas ou objetos que por si mesmas não o têm; implica, pois, em derrogação ao conceito e ao culto do único Deus. Voltaire, que tanto errou em sua filosofia, ao menos percebeu acertadamente que «a superstição se relaciona com a religião como a astrologia (demanda de oráculos aos astros) com a astronomia (investigação cientifica e objetiva dos astros): é a filha muito tola de mãe muito sábia».
Notam os historiadores que principalmente em épocas de guerra a superstição prolifera. Muitos, não sabendo mais como se defender razoavelmente das ingentes calamidades que os ameaçam, recorrem a soluções irracionais ou a objetos apotropéicos (espantalhos do mal): tenham-se em vista as famosas mascotes do exército inglês. Em tempo de guerra acontece também que particularmente graves são as decisões que os homens devem tomar; as energias, porém, costumam estar esgotadas. Em consequência, não poucos tendem a definir-se, guiados não propriamente pelo raciocínio, mas pelo encontro de sinais que eles indevidamente julgam reveladores de um plano superior ou divino.
Compreende-se que a superstição assim concebida leve ao fatalismo, que é a doutrina «preguiçosa» por excelência, expressão típica da lei do menor esforço: ensina ser inútil lutar contra..., e mais convem a aceitação pacata do «irrevogável» destino (!). Certamente não foi Deus quem ensinou isto aos homens!
É dentro deste quadro que se deve considerar e reprovar o uso, ainda hoje persistente, da figa. Embora geralmente destituído de culpa grave, dada a quase inconsciência da maioria das pessoas que o praticam, tal uso continua a representar em si mesmo um depósito de idéias de todo alheias à mentalidade cristã.
Fonte: Dom Estêvão Bettencourt (OSB)
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