Quem matou Jesus?




O filme “A Paixão de Cristo”, do Mel Gibson causou um puco de polemica. Um dos pontos da polêmica é a acusação de o filme ser anti-semita, pois imputaria aos judeus a morte de Cristo. Afinal, quem matou Jesus? Como ocorreu o seu processo? Qual o significado de sua paixão e morte?

Primeiramente, é necessário que se diga com toda a clareza: Jesus foi entregue à morte pelos chefes judeus. As palavras dos dois viajantes de Emaús retratam bem este fato: “Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram” (Lc 24,20). Jesus foi condenado primeiramente pelo Sinédrio reunido sob a presidência do Sumo Sacerdote daquele ano, Caifás. Os chefes de Israel, em nome de todo o povo, condenaram-no à morte. O motivo da condenação era religioso: Jesus se considerava o Messias e dava uma interpretação toda sua à Lei e às práticas judaicas; por isso fora considerado um blasfemador, um herege, réu de morte (cf. Mc 14,60-64). Havia também um outro motivo, de conveniência, de estratégia política: Jesus arrastava as massas e isso colocava em perigo o prestígio das autoridades judaicas (sobretudo da elite sacerdotal de Jerusalém, os saduceus) e poderia provocar uma reação violenta dos romanos, que dominavam Israel. Então, ele era um problema religioso e político, um verdadeiro perigo! Daí a conclusão fria e maquiavélica de Caifás: “Não compreendeis que é do vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?” (cf. Jo 11,45-53). Então, os judeus têm sua parte na condenação e morte de Jesus. Negá-lo é escamotear a história. Mas, só os judeus participaram dessa morte? Não.

O Sinédrio e o Sumo Sacerdote não tinham poder da mandar matar ninguém; Roma havia tirado esse direito às autoridades judaicas. Se Jesus tivesse sido executado pelos judeus, teria sido apedrejado e não crucificado. Por isso, os chefes judeus levaram-no ao Procurador Romano, Pôncio Pilatos. Mas, para que Pilatos condenasse Jesus seria necessária uma outra acusação, política, pois os romanos não davam a mínima para as questões religiosas dos judeus. Pilatos mesmo, desprezava os judeus e fazia o possível para irritá-los (cf. Lc 13,1). Daí, o Sinédrio inventar uma acusação política contra Jesus: “Encontramos este homem subvertendo nossa nação, impedindo que se paguem os impostos a César e pretendendo ser Cristo Rei” (Lc 23,2). A acusação era gravíssima: Jesus estaria incentivando o povo a não pagar os tributos aos romanos e fazendo-se passar por rei dos judeus, desafiando Tibério César, o Imperador! Isso, para os romanos, seria um crime passível de morte! Mas, parece que Pilatos não acreditou muito e quis soltar Jesus. Por quê? Porque era justo? Não! Porque queria implicar com os chefes judeus; queria chateá-los! (cf. Lc 23,2-7.13-19; Mt 27,16-18). Mas, os chefes foram mais espertos e deram um xeque-mate em Pilatos: “Se o soltas, não és amigo de César! Todo aquele que se faz rei, opõe-se a César” (Jo 19,12). As safadezas da política; a hipocrisia dos políticos. O negócio é ser “amigo de César”! Pilatos não iria comprar uma briga com César, seu patrão. Lavou as mãos e entregou Jesus, condenando-o à morte. Então, os romanos, representados por Pilatos, têm também sua parte na condenação e morte de Jesus. Ainda hoje rezamos no Credo: “Padeceu sob Pôncio Pilatos”. De nada valeu lavar as mãos: o Procurador romano traiu sua consciência e, para ser “amigo de César”, condenou um inocente! Jesus foi, então, condenado por judeus e pagãos!

Mas, há mais um culpado pela morte de Cristo: os seus discípulos. Um, o traiu, outro o negou e todos abandonaram-no. Jesus terminou sozinho, entregando-se nas mãos do Pai! E pedindo perdão por todos: pelos judeus, pelos romanos e pelos discípulos: “Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem!” (Lc 23,34).

Então, culpados pela morte de Cristo somos todos nós: judeus, pagãos e discípulos. Todos nós estamos representados nesse teatro de infâmia. Mas, é necessário compreender que Jesus viveu todo esse drama com a consciência de que estava realizando isso pela salvação da humanidade, de toda a humanidade! A cruz, ato terrível de injustiça e crueldade, Jesus a viveu como um ato de entrega e de amor que prefere morrer a matar, prefere deixar-se injustiçar a tirar do homem a sua liberdade, até de fazer o mal. Na cruz, Jesus teve consciência de assumir todas as absurdas cruzes da humanidade.

Parece que o filme do Mel Gibson quer mostrar isso. Ninguém pode acusar os judeus sem se acusar também. Jesus se considerou entregue à morte pelos pecados do mundo inteiro. O anti-semitismo é um pecado, é anti-cristão! Não se pode acusar os judeus, simplesmente, pela morte do Senhor! Jesus cumpriu nele mesmo as palavras do profeta Isaías, que ele conhecia tão bem: “Ele foi trespassado por causa das nossas transgressões, esmagado por causa das nossas iniqüidades. O castigo que nos dá a paz caiu sobre ele, sim, por suas feridas fomos curados” (Is 53,5).

Quem matou Jesus? Cada um de nós, pelos nossos fechamentos a Deus, que se tornam fechamentos a nós mesmos e aos outros... Quem matou Jesus? A indústria da seca no Nordeste, as bombas da Madri, os aviões de Nova Iorque, a corrupção dos políticos, as armas dos grupos de extermínio, os tanques de guerra dos poderosos, a ganância que não nos deixa ser felizes, a imoralidade que destrói nosso coração... E quem não tiver pecado, quem não for incoerente e quebradiço, que negue isso...

Por: Dom Henrique Soares da Costa

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